O QUADRO COR DE ROSA
Não sei se o leitor já se apercebeu que nos estão a impingir um quadro cor de rosa. Pintado apenas a uma cor. Para uns deve ser bonito. Para outros deve ser horrível.
Quem vê a nossa TVM já deu conta certamente dum documentário que, transmitido com regularidade, por capítulos, um pouco ao estilo da novela brasileira, nos coloca a par das grandes realizações que ocorrem no nosso País.
Um documentário que vai ter periodicidade semanal. Em 60 minutos, todas as quartas feiras, vamos perceber que em pouco tempo se fez mais do que em 30 e tantos anos de governação. Um balanço, a julgar pela promoção feita ao programa, que só vai mostrar o que de bom se fez.
As imagens são elucidativas do esforço que se tem feito, rumo ao desenvolvimento. A ponte (Armando Guebuza) sobre o rio Zambeze, considerada uma das maiores de África, que veio, como se disse na altura da sua inauguração, “acabar com o sofrimento na travessia e cimentar a unidade nacional” é um dos exemplos.
Depois aparecem outros. O Estádio Nacional do Zimpeto, que espero não se transforme mais dia menos dia num elefante branco.
Os apartamentos da Vila Olímpica, onde muitos acabaram por comprar gato por lebre.
O aeroporto de Maputo, com as suas terminais de serviço doméstico e internacional,
a circular de Maputo,
ou a ponte da Catembe.
Devemos fazer jus ao trabalho que está a ser feito e para o qual muito tem contribuído a acção empenhada dos membros do actual executivo de Maputo. Daí esta forma de agradecimento ao governo que a nossa empresa pública de televisão encontrou, por tamanho esforço e dedicação.
Só que, a par dos grandes empreendimentos, que embrulham o país numa permanente lufa-lufa de encontros, seminários de investimento, palestras, conferências e sei lá que mais, há situações que acontecem no dia a dia que muito provavelmente não vão ser referidas neste balanço que a TVM se propõe apresentar semanalmente. Aponto-vos um dos muitos exemplos onde nem tudo vai bem. O serviço público de saúde continua a sofrer de mazelas aparentemente incuráveis. Os atendimentos nos hospitais continuam a ser demorados. A cortesia, a amabilidade no trato, a deferência para com o doente, são aspectos que já não fazem parte da cultura de alguns. Entrou-se na rotina de servir mal. Na rotina do “deixa-andar” que está longe de acabar.
Apercebi-me que tudo isto acontece. Ninguém me contou. Eu vi com os meus próprios olhos, quando a semana passada tive de visitar um amigo meu, que, gravemente doente, foi transferido de Inhambane para o Hospital Central de Maputo.
Para se chegar com segurança ao primeiro andar do edifício onde funciona a enfermaria de Medicina I, onde o meu amigo estava internado, foi preciso utilizar a lanterna do celular, porque, pura e simplesmente não há luz nas escadas no trajecto entre o rés do chão e o primeiro andar. As portas das casas de banho para os doentes estão fora do sítio. Nos sanitários não há água com pressão. Muitas vezes o chamado “banho macua” é a única alternativa. Recorrem-se a baldes e bacias para os doentes tomarem banho. Ainda sobre a saúde chegou-nos a notícia via TVM de que no Hospital Rural do Chokwe, os problemas de frio na morgue, estão há 6 meses sem solução, com todos os inconvenientes que uma situação desta natureza representa.
Fica-me a esperança que este e outros problemas que afectam a vida das pessoas no seu dia a dia, possam ser refletidos neste balanço. A menos que, quem encomendou o tal “balanço da governação” que a nossa TVM transmite semanalmente, esteja interessado em vender-nos apenas os aspectos positivos, relegando para segundo plano o que de negativo acontece por cá.
É a mesma coisa que pintar um quadro com uma só cor. Para alguns fica bonito. Para a maioria fica horrível.
João de Sousa – 07.08.2013