Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto
Mia Couto é conhecido internacionalmente por suas extraordinárias histórias. Seus contos e seus romances são lidos em todos os continentes, em línguas, culturas e credos diversificados.
Valendo-se de uma linguagem marcadamente poética, essas histórias encantaram o mundo.
Todas as semanas o BigSlam irá publicar um dos 10 inesquecíveis poemas do escritor e poeta moçambicano – Mia Couto, retirado dos seus quatro livros de poesias: “Raiz de orvalho e outros poemas” (1999), “Idades, cidades, divindades” (2007), “Tradutor de Chuvas” (2011) e “Vagas e Lumes”(2014).
6 – Mudança de Idade
Para explicar
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis
antes de adormecer.
Do livro “Tradutor de chuvas”
Um Comentário
Inês climaco
Mia Couto… O poeta que roubou todas as palavras do mundo. É… Único, incomparável!